quinta-feira, 30 de outubro de 2008

O Casaco Vermelho

Ana tinha um casaco. Mas que coisa mais óbvia! Ter um casaco não faz de ninguém uma pessoa importante. E considerando o título acima, eu não poderia ter começado a escrever de maneira mais repugnante. Mas Ana realmente tinha um casaco, era um fato inegável. E ninguém poderia deixar de olhar aquele belo casaco branco que a cobria durante todo o inverno. Era branco como seu sorriso, que por vezes era amarelo. Todas as manhãs Ana saia de casa envolta em seu pedaço de pano, que mais parecia um emaranhado de nuvens. Ela gostava da idéia de ter nuvens cobrindo seu corpo. Essas nuvens nunca trouxeram tempestades à ela. Quando Ana caminhava pelas ruas ainda molhadas com gotas de orvalho, suas pernas mais pareciam caminhos intermináveis. Indo pra algum lugar ou lugar nenhum, ela sabia que era o pecado em pessoa e que pecado maior cometia quem não a observasse passando. Como podia um branco tão puro vestir um ser tão sujo? Aquela mente percorria caminhos jamais imaginados. Aquela criatura habitava a imaginação alheia como se fosse uma personagem de um conto. Misteriosa como só ela sabia ser, matava a todos os corações solitários com apenas um olhar. Nas madrugadas, quando voltava pra casa, seus cabelos bagunçados davam pistas do que acabara de acontecer. Ana era livre. Voava alto sempre. Seus pousos eram freqüentemente desastrosos. Assim que caía em si, o mundo todo se tornava uma grande merda. Aquele avião se desfazia em mil pedaços para logo depois se reconstituir e ir voar em outros céus. Céus de nuvens brancas. Um casaco branco. Um dia porém, Ana decidiu ficar mais um pouco no céu esperando a tempestade chegar. Talvez houvesse uma esperança de turbulência em sua vida que já andava cheia de pequenos/grandes tremores. Havia um homem ali com ela. Seu paletó vermelho era deslumbrante e arrebatava olhares como o casaco branco de Ana jamais conseguira. Juntos eles eram dois. Ana jamais se renderia diante de alguém tão fascinante quanto ela. Ela gostava de estar nas alturas e esse tal homem do paletó vermelho poderia lhe alcançar ou até mesmo ultrapassá-la. Ana acordava aos gritos só de pensar que isso poderia acontecer. E ele acordava junto, sempre querendo saber o que no fundo já sabia. Ana era grande demais pra ser de alguém. Ela preciava voar sozinha, porque com alguém ao seu lado, suas asas estariam quebradas. Ele pensou em deixá-la nas alturas sozinha, assim como tinha de ser feito. Decidiu que iria embora, iria procurar alguém que não precisasse de um lugar bem embaixo de suas asas. Alguém que não se contorcesse de ciúmes diante de seu paletó vermelho. Mas Ana tinha outros planos para suas asas. Ela pensou que não haveria turbulencia maior em sua vida do que um homem que a quisesse tão bem a ponto de esquecê-la. Todos os outros nunca a esqueceram. Esse também não a esqueceria, ela sabia. Mas ela também sabia que ele jamais voltaria a procurá-la e que renunciar uma vida ao lado dela era a maior prova de que ele realmente a merecia. Naquela noite enegrecida e fria em que Ana finalmente aceitava que ser sozinho não valia a pena; naquela mesma noite em que ela se rendia ao que nunca havia existido para ela até então, Ana via seu homem de malas prontas indo em direção à porta. Com desespero genuíno, ela chorava enquanto suplicava para que ele não fosse. "Tarde demais.", ele disse. Tarde demais pra alguém que, já cansado de se fazer de tapete para aqueles pés tão frios caminharem, decidiu que iria viver em meio as estrelas de um outro céu. "Tarde demais."; estas palavras jamais ecoaram tão profunda e lentamente dentro do coração de Ana. Mas ela era Ana, a mulher do casaco branco. Ela voava mais alto que qualquer um e naquela noite não seria diferente. Ana se recompôs num segundo e seus olhos não tinham um vestígio sequer de lágrimas; tão abundantes segundos atrás. Ana disse: "Tudo bem." da maneira mais seca possível. E se virou, olhando fixamente pra mesa da cozinha. O homem já ia vestindo seu paletó vermelho, quando de repente Ana falou:"Espera!" e se virou novamente para ele. Num impulso alucinado, Ana viu os olhos do homem , que segundos atrás era o homem da sua vida, se arregalarem apavorados. Era Ana que estava estampada em seu olhar, pela última vez em sua vida, que Ana acabara de tirar. A faca, afiada de amargura, já havia lhe perfurado as entranhas e tudo o que ele conseguia fazer era olhá-la profundamente. Como uma espécia de súplica, ele estendia suas mãos ao paletó vermelho, o único que jamais o abandonaria. Mas era "Tarde demais." pensou ele, pela última vez. Ana já havia lhe tirado tudo e cada vez ficava mais escuro. Àquela altura tudo o que ele conseguia ver era Ana se deitando ao seu lado. Ela estava linda, com o mesmo casaco branco exuberante que a transformava no que ela era: uma deusa, um mito, uma mentira. E enquanto seus olhos se fechavam, tudo ficava mais claro. O casaco branco de Ana agora ia ficando vermelho, tingido pelo seu sangue esparramado no chão. E então ele entendeu que Ana jamais poderia voar tão alto com alguém ao seu lado. Agora bem no fim, ele compreendia o verdadeiro motivo do amor de Ana. Ela não o amava. Nem ao paletó dele. Ela amava o vermelho, que a seduzira num vôo pela noite. A noite em que se conheceram. E agora ela tinha um casaco vermelho, tão fabuloso quanto aquele velho paletó. Melhor que aquele velho paletó. Ana agora poderia voar mais alto que qualquer um neste mundo. Agora ela tinha o vermelho mais precioso do mundo envolvento seu corpo. E Ana nunca mais quis voar por céus de nuvens brancas. Ela agora sabia que era o fogo vermelho que a enfeitava. E que o inverno nunca mais seria tão frio. Ela voou para o mais longe possível, na direção do infinito, rumo ao inferno. E de casaco vermelho.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Anos Dourados

Ah, essas noites com cara de inocentes revelam tantas coisas. De repente surgem milhares de lembranças do passado. Pensamentos melancólicos me vêm a cabeça sempre que isso acontece. Eu me cubro de nostalgia e meu modelo de felicidade se resume a um tempo que não volta nunca mais. Um tempo que eu conhecia e me sentia confortável. O tempo da inocência. Os dias em que tudo era uma grande emoção e que todo gesto tinha um significado simples. Aquele tempo em que eu não desconfiava de nada e nem de ninguém. X era X e pronto. Mas aí chegou uma época em que os questionamentos tomaram conta de mim. Logo no começo eu não sabia direito o que fazer com todas aquelas dúvidas. Hoje, muitas delas já foram respondidas e só me fizeram perceber o quanto a ignorância te cega ou te protege, depende do seu nível de desespero. Mas é uma proteção vaga. Uma hora ou outra a verdade aparece pra você. Enfim, hoje eu sei de muitas coisas. Mas acho que a principal delas é que eu não sei de nada. Porque tudo muda o tempo todo nesse mundo. Muda pra continuar igual. E tudo o que você sabe não pode te salvar. Eu dou mil voltas pra continuar aqui, assim como você. Mas eu queria poder voltar. Pode parecer muito exagero vindo de alguém que não viveu muita coisa. Não importa, eu não quero o que vai vir de qualquer jeito. E de qualquer jeito, eu vou ter que aceitar o que virá. Mas eu sempre estarei pensando nos dias em que tudo era bonito. Os dias em que mesmo vendo coisas feias, eu via a beleza. E que não importava se a noite já estava chegando, porque ela ainda não me trazia dúvidas. Tudo o que eu queria era dormir pra ver logo um outro dia chegar. Hoje eu não quero dormir. Quero passar rápido pelos dias de hoje pra saber se eu vou conseguir ser melhor amanhã. Mas talvez tudo o que eu queira é que esses dias passem e eu não os viva, pra poder fantasiar como esses dias eram bons e como eu era feliz e não sabia. Todos esses anos que eu desperdicei pensando no passado e agora não passam de lembranças. Todas elas inventadas. Porque é mais fácil fugir pra um passado inventado do que ficar e ver a realidade, sem sonhos e músicas. Todos os anos que passaram, aqueles anos dourados.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Guardado

Que as flores murchem e enfeitem seu funeral
Eu não preciso mais de suas lamentações
Agora o seu pranto tem efeito colateral
Ele também é o culpado de minhas frustrações

Que a chuva caia sobre tua cabeça
E enfeite seu rosto com gotas geladas
Eu espero te perdoar antes que você cresça
Antes que você vira as costas e suba as escadas

Que os céus te guardem quando você for
Porque aqui já não te resta mais nada
Tudo o que tinha acabou
Você preferiu que sua vida fosse levada

Que eu te abrace quando for preciso
Mas que eu sinta isso também
Porque quanto te abraço, eu nada sinto
E isso não me faz bem.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Eu sei o que falo

Eu sou a boca que cala, que fala e que volta a calar. Porque da boca saem coisas que nunca mais vão voltar. Por isso eu não falo nada e só espero o tempo passar.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

As coisas que você tem que deixar pra trás

Minha casa está caindo aos pedaços. Tudo o que foi um dia, virou lembrança apenas. O problema é qualquer coisa. O problema é apenas existir e conviver. A cada ano que passa, tudo fica pior. Cada dia que vai embora leva com ele a esperança. Eu sei que parece clichê, mas como eu posso chamar a vontade de existir de novo pra algumas pessoas? É só uma esperança tola. Se eu ganho, não fiz mais que o meu dever. Se eu perco, eu não existo. Todo dia eu caio mais um pouco e nem sei o porquê. Se existia uma luz em mim, ela já se apagou há tempos. Então o que me resta se tudo o que eu conhecia se foi? Procurar um novo caminho, claro. Mas e quando tudo o que você quer é ter tudo aquilo de volta? Será que é pedir muito? Eu só cresci; não morri.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Ela se ama. Ela se odeia.

Hoje eu acordei com vontade de te mandar pro inferno. Pensei um pouco e tive pena do Diabo. Nem com todas as maldades e insanidades daquela mente doentia, ele aguentaria um dia ao seu lado. Você tenta alcançar a perfeição de todas as formas. Mas você não é perfeita e é isso o que te dói mais. Tente entender de uma vez por todas que você está num mundo de gente imperfeita, de coisas imperfeitas. É uma terra de gente que não está nem aí se você é boa demais, se você se sacrifica ou se você é perfeita. Porque aqui o que importa de verdade acontece naturalmente. Você tem medo de não poder controlar nada além de si mesma. Mas essa é a única coisa que você pode fazer. Aceite seus erros, assuma-os e entenda que às vezes o nosso maior erro é tentar não cometer erro algum. Quando sua vida chegar ao final, você verá que nunca pôde ser o que queria, porque sempre esteve muito ocupada tentando ser o que os outros esperavam que você fosse. E no final, você percebe que só podia contar consigo própria. Você sempre pensa sobre o pensamento alheio a seu respeito. Quanta bobagem! Cega pra sempre, é o que você vai ser. Sempre vomitando em todos suas atitudes perfeitas e todo o seu sofrimento. Como é sofrida, meu Deus! E tudo isso porque ninguém se importa com você. Ninguém nunca pode ajudar. Ou você é tapada demais e simplesmente não sabe de algumas verdades ou então você as ignora. De certa forma você consegue fazer com que todos pensem você é mesmo um anjo. E quanto mais anjo você se torna, mais o meu demônio cresce. Eu tenho aversão à sua bondade extrema, que pra mim não passa de uma desculpa pra ser admirada. Infelizmente pra você, o mundo faz as coisas de um modo misterioso. Você não pode ter a vida perfeita, porque eu existo e sou tudo o que você mais odeia quando se olha no espelho. Tudo o que você tentou exorcizar de você veio direto pra mim. E por mais que você tenha se esforçado pra que seu lado negro não viesse à tona nesse mundo, aqui estou eu, da maneira mais detestável possível: humana.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Moonshiner



"You're already in hell/You're already in hell/ I wish we could go to hell/When the bottle gets empty/ Then life ain't worth a damn."


Será que não?

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Still I wonder why it ain't right...

Palavras podem se apresentar de todas as maneiras. Elas podem te amaldiçoar ou te iluminar. Mas no fundo elas são só palavras. Às vezes passamos a vida toda nos guiando por palavras; nossas ou dos outros. Palavras são bonitas. Bem construídos, alguns textos podem mudar uma vida. Mas, por mais que a gama de palavras disponíveis para explicar as coisas do mundo seja gigantesca, existem coisas que elas simplesmente não podem traduzir. Por mais que você domine as palavras como ninguém, existem coisas que se ditas ou escritas não tem a dimensão que um olhar sincero tem. Então estamos sempre perguntando e tentando achar as respostas numa folha de papel, numa voz no telefone ou numa tela de computador. Bobagem; algumas respostas precisam ser sentidas sem que haja uma palavra sequer. E são essas que devem valer realmente a pena.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Só.(?)

É só um dia após o outro. Não há futuro, não há motivo, não há nada. É só um dia após o outro, até que se tornem estes os dias dos quais sentiremos saudades. Sem promessas ou ilusões. É só um dia após o outro. Mais nada.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

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Sabe que é legal pra caramba ficar julgando todo mundo de cima do seu trono? Sério, te dá a maior sensação de que você é perfeito. Parece até mesmo que você é melhor que os outros. Pena que só parece, né? Infelizmente você não é melhor que ninguém, não importa de onde veio, porque no fim você vai pra o mesmo lugar que eu e todo mundo. Triste pra você, eu sei. Até pra mim mesmo. Mas todo mundo precisa cair do trono de vez em quando.